quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Bem-vindo a ruína | O homem que tinha coisas #7


Após estes eventos pra lá de badalados, Richard tenta esquecer tudo. Vai levando a vida entre fingir boas relações na família e a curtição. Para tentar esquecer mais rápido o drástico episódio que lhe causara impressão até agora, ele vai passando a semana ingerindo mais álcool que o costume. E ele faz isso porque, apesar de ter o que queria, de usar e descartar a vontade, ele não se sente feliz. Ele quer mais.

Lembra-se dos pequenos momentos de prazer que tem. Seu ídolo é o Dr Artur, que é quase um pai para si agora, e tenta imitá-lo. Como ele conheceu aquele velho impuro? Num restaurante, esperando sua “mulher da semana” - ou do dia – após lhe faz tal anúncio. Decide-se, então, por uma vida dissoluta, semelhante a de seu mestre.

Por uma ânsia de felicidade, por um lado, e de busca da tal sonhada felicidade, por outro, Richard começa a frequentar casa de jogos. Ele não era tão bom jogador como era um bom vendedor nos tempos de outrora. Perdeu muito dinheiro. Ele fez a festa, mas a dos companheiros que ganharam um dinheiro fácil. Ria-se, ria de si... Mas ele queria recuperar o dinheiro. Joga daqui, bebe dali.

Assim viveu Richard durante vários dias. Sua relação com Mônica já começa a se abalar. Torna-se agressivo, trata mal. Mas agora é um mal estranho, antes era só a frieza. Agora chega bêbado, irado... Será que Mônica suspeita do abismo que seu marido adentrara? Pobre mulher que, a exemplo de Dona Clara, mãe de Richard, limpava-o e cuidava dele, embora recebesse agressões.

Em uma dessas saídas de Richard para a casa de jogos, chama-lhe atenção outra jovem. Ela chamava-se Hilary e era garota de programa. Na verdade ali também funcionava uma casa de prostituição. Ele bem sabia porque já frequentara. Mas eram de luxo. Alguns chamam de acompanhantes. Muitas mulheres se submetem a essa prostituição para homens ricos.

Lá vai Richard com sua mulher, não da semana, mas daquela noite. Mas algo lhe chama a atenção naquela mulher: uma tatuagem de punho fechado com os dizeres “as mulheres têm poder!” Richard logo lhe pergunta:

R -Quais são teus superpoderes?
H – O que disse?
R – Sua tatuagem... “As mulheres têm poder” - (e ria).
H – Homens! Sim, tenho poder. E o meu poder é ser mulher. As mulheres podem tudo!
R – Hum, deixe-me adivinhar... És feminista?
H – E há dúvidas? Algo contra?
R – Não, imagina! Eu amo o feminismo! - (Ri altamente de maneira debochada)
H – Nós não precisamos de homens “feministas”. Sabemos nos defender sozinhas.
R – E quem disse que quero aqui defender vossas pautas, senhorita feminista? Apenas amo vocês porque no dia a dia eu e meus camaradas nos beneficiamos delas. (Ri mais ainda)
H – Você está louco! Só pode. Nós queremos a independência do machismo, dessa sociedade patriarcal que oprime as mulheres. Nós vos odiamos.
R – (Após rir muito) Louca está você. Vamos, que benefício te trouxeram o feminismo? O que agora você pode senhorita “tudo posso”? (fala de maneira debochada)
H – Antes eramos um objeto do homem, da família patriarcal. Agora somos independentes. Meu corpo, minhas regras.
R – Não, seu corpo, minha mercadoria. É quanto o programa mesmo? (Ri muito)
H – Idiota!
R – Idiota é você, cara senhora, você se gaba de estar liberta da família, de um lar, de não ter um marido que a sustente. Gaba-se da legalização da prostituição? Que maravilha! E quem ganha com isso? Teu pai? Não, eu, que agora posso abusar de você. Aliás, o dono dessa casa de jogos também, afinal, pra ser uma das garotas de luxo daqui há uma pequena porcentagem, não? Conte-me como é o grito de orgulho de sair do lar com um marido para se tornar objeto sexual de qualquer estúpido, bêbado, fedido, mas com muito dinheiro?
H – As coisas não são bem assim... (responde deprimente)
R – Aé? e como são?
H – Nós conquistamos direitos. O aborto, por exemplo..
R – Ah, sim, o aborto! Adoro! Semana passada mesmo fiz minha antiga amante abortar o filho. Obrigado por lutarem pelo direito de homens, como eu, poderem vos usar e após engravidar não nos preocuparmos em assumir. Nossa! Vocês não sabem como nos ajudam nos livrando de criar um filho ou ter que pagar pensão. Ainda mais no meu caso que sou casado, poderia arruinar minha família e manchar meu nome nos negócios. Obrigado! Aliás, vamos, legalizem de vez, fiz em uma clínica clandestina. Legalizem para ficar mais fácil de homens como nós, que algumas chamam de canalhas, termos vocês mais ainda só como objetos sexuais. Aliás, objetos de descarte.
H – Como você pode falar assim de uma maneira tão fria?
R – Como vocês puderam lutar por nossos direitos de safadeza? Ah, obrigado. (silencia) Bom, no mais, você dizendo que sou frio... A mãe de Carina, minha antiga amante, também disse que sou frio. (Diz reflexivo)
H – E posso saber porquê?
R – Talvez... Acredito que seja porque não dei importância quando ela me ligou avisando que Carina havia tomado alguns remédios e estava a beira da morte. Acho que ela não se deu muito bem psicologicamente com o fato de ter abortado e resolveu partir também... Se é que me entende...
H – Você é um monstro!
R – Mas sou cria do vosso movimento, baby.

Richard parecisa implacável, sarcástico em seu discurso. Mesmo com essa mulher às lágrimas com suas palavras, ele não perdoa:

Lutam pelo direito de trabalhar, mas tem que trabalhar mais ainda quando homens como eu não assumimos os filhos. O inimigo vosso é a sociedade patriarcal, o cristianismo, ou suas amiguinhas que vos levaram a ser nossos brinquedinhos? Tiraram você da família, e hoje alegram-se com sua profissão num bordel. Pílulas prevenindo a gravidez, como é a propaganda, abortos, que maravilha mesmo. Vocês, mulheres, realmente podem tudo, mas com esse feminismo, a única coisa que conseguiram foram se tornar em idiotas e escravas de nós, canalhas, que fazemos de vocês coisa nossa. Claro, nem todas. Falo aqui das que se embriagam com os dois cânticos do inferno: a conversa do você é livre, faça o que quiser; e o cântico dos homens como eu. Existem vários homens que são o contrário do que sou, mas acho que o cântico da canalhice prevalece por se casar perfeitamente com o cântico do feminismo.”

Ela chora muito. Mas Richard, irreconhecível, finaliza: vamos, pare de chorar! Não estou te pagando para isso! Viva o feminismo!

Hilary, chorando, pensava em seu coração: não sei se tive motivos para entrar nessa vida, mas hoje eles não faltam para sair. Verdadeiramente reconheço que hoje sou escrava. Sorte que posso mudar minha história daqui para frente. Antes eu era livre e feliz e não sabia. Quero retornar a verdadeira liberdade que ideologia nenhuma, como a feminista, é capaz de me dar.

***

E assim foi a vida de Richard, de abismo em abismo. Mulheres e mais mulheres; álcool, cocaína; jogando e perdendo. Ele queria usufruir da felicidade que o dinheiro podia lhe conceder.

Mônica já não suportava mais a estranheza do marido. Até que ele chega ao ponto de não pagar contas básicas de casa, pois mesmo ganhando muito, estava gastando mais e mais. Mônica decide segui-lo. Encontra-o com outra “mulher do dia”. Foi uma punhalada para ela.

Em casa ela lhe desmascara. Anuncia-lhe que não aceitará de maneira alguma aquela situação. Richard diz “então adeus. Vai embora!” Mas, por amor aos filhos, ela espera. Afinal, mais uma vez Richard chegou fora de si por causa das coisas que consumia.


No outro dia, porém, antes que Mônica percebesse, Richard já havia saído para o trabalho. O velho Artur ao vê-lo chama-lhe imediatamente.

A- Você tá maluco?
R – Fale baixo, por favor (coloca a mão na cabeça sinalizando sua dor de cabeça).
A – É disso que estou falando! Todos estão percebendo sua vida imoral! Olha pra você! Está causando escândalo pra empresa.
R – Olha quem fala...
A – Cale a boca! Você é um nada aqui! Cuido de você como se fosse filho. Mas eu te dei as regras aqui. Não podia dar escândalo. Você recebe muito mais do que um mero assistente. E com que cara me apresento pras pessoas com suas ausências e, pior ainda, com sua aparição embriagado!
R – Ah, deixa de conversa chata, pa-pai, vamos tomar um Wisky.

Dr Atur pega um charuto, acende, dá alguns passos em direção a Richard, e solta uma baforada em sua cara. Sai dali sem dizer nada para Richard, ressacado.

Parece estranho a conduta do velho Artur. Um homem que não apenas era tão imoral quanto Richard, mas quem iniciou-o nessa vida, agora lhe ditando regras. Mas o fato é que Richard era bem conhecido na empresa; de fato este tornara-se quase um filho seu. Era quase o próprio chefe na ausência de Artur. Porém, Richard adorava dinheiro. E muitos dos seus clientes e sócios eram pessoas honestas e que levavam a sério a questão da imagem. Deixar um libertino na frente dos negócios da empresa era o mesmo que queimar dinheiro. E Dr Artur gostava de gastar dinheiro com suas bebidas e demais futilidades, as escondidas, diferente de Richard que agora pouco ligara para o fato de Mônica ter descoberto suas traições. Após aquele aborto parece que ele abriu de vez as portas para a imoralidade.

Richard segue para seu escritório no prédio da empresa. Qual surpresa, ninguém acreditaria! Outra pessoa ocupara seu lugar. “Ei, essa sala é minha, dá licença, faxineiro!” Disse orgulhosamente. Logo aparece um segurança e diz “Não, não é mais. Esse jovem lhe substitui nas suas funções. São ordens do dr Artur.” “Não – respondeu Richard – só pode ser um engano”. O segurança logo chamou um companheiro e ameaçou “Se não sair, seremos obrigados a usar da força!” “Vocês sabem com quem estão falando!?” - Bradou Richard, furioso. Os seguranças pegaram-no a força, arrastaram, e na porta de entrada do prédio jogaram-no, qual lixo a ser levado pelo caminhão. E os seguranças falaram “...com um verme que foi e não é mais merda nenhuma. É com esse que falamos!”.

Estava na sarjeta! Como seria possível isso? Ele, depois de muito tempo, volta o olhar para o Céu, e antes que dirija alguma palavra para Deus, qual relâmpago, lembra-se de quando criança e ia a Missa com sua mãe ouvira as palavras: “derrubou dos tronos os poderosos e exaltou os humildes”. Talvez se nesse momento decidisse por um clamor de perdão, conquistaria tudo novamente para viver licitamente. Mas, não. Ele não queria ter sido despojado do trono.

Ainda lhe restava um dinheiro. Foi ao botequim, comprou uma bebida. Estava assumindo-se como alcoólatra?

Sem escrúpulos chega em casa: sujo, maltrapilho, bêbado. Era um sujeito de fazer dó. Onde fora parar o orgulho. Mônica se compadece, abraça-o, beija-o (apesar dos apesares) e questiona-o “meu amor, o que aconteceu? Não podes ficar assim, não pega bem pro seu trabalho!” “Trabalho! - responde Richard -que trabalho? Fui chutado daquela joça...” Mesmo que Mônica dissesse que ser daria um jeito, trabalhariam, se reergueriam sem a dependência do velho Artur, Richard estava num estado de depressão profunda.

Um grande homem disse certa vez que não adianta beber para afogar as mágoas, pois estas sabem nadar. Uma pena Richard não ter conhecido esse grande homem, pois poderia ter aprendido tantas coisas e não estar nessa vida. Sem sua fonte de renda que mais parecia loteria, Richard foi vendo seus carros dizerem adeus. Tinha três: um perdeu no jogo, outro vendeu pra quitar dívida da casa – feita também no jogo – e o outro foi Artur que lhe dera, e lhe tomara. A própria casa corria-se o risco de perderem, tamanhas as dívidas que se acumulara. Ele não foi um marido que administrara os dons que tinham, mas torrou tudo. Agora lhe restara a bebida. Sua presença já se tornara insuportável para sua família. Ele mesmo arrumava briga. Ele não se aguentava a si mesmo.

Um dia, muito louco, toma uma importante decisão. Antes que os filhos ou a mulher percebessem, este pega uma pequena sacola com duas ou três peças de roupa, e sai. Sai sem destino. Quem diria! Aquele menino que irritava-se por morar numa casa simples, com a mãe e os irmãos, tornou-se poderoso, mas do nada, porque não foi um bom administrador, perde tudo, até a dignidade, e vai morar nas ruas.

Eis a vida de Richard, orgulhoso e poderoso, agora vive de pedir dinheiro e alimentar o vício pelo álcool e as drogas. Tornou-se uma chaga viva perambulando pelas cidades. Longe de sua família, que o procura, mas sem sucesso.

O que resta para Richard? Será possível que terminará assim a vida dele?

Onde está o teu orgulho
aonde foi parar?
O homem que tinha coisas, nas ruas foi morar
Trocou mulher e filhos
pelas drogas e amigos libertinos
As prostitutas, as drogas,
com dinheiro, tudo isso a sua volta
Mas o que ganhou com tudo isso?

A felicidade? Não. Só o abismo!

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