sábado, 21 de novembro de 2015

Outro rumo | O Homem que tinha coisas #4




Após a conversa que teve com sua mãe – conversa muito pesada, diga-se de passagem – Richard mudou. Na verdade mudou pouco. Deveria mudar as atitudes, direcionar seu coração para a busca da felicidade além das coisas. Mas, por remorso ou por vergonha por ter chegado em casa tantas vezes bêbado, ele diminui as baladas, e começou a centrar-se no seu ambicioso projeto de felicidade: comprar um carro. Mas é válido lembrar que ele apenas diminuiu as baladas e a quantidade de alcool ingerido; ainda saia de vez em quando, e, vez ou outra, chegava alcoolizado. Mas não mais no estado da sua última conversa com sua mãe narrada aqui.


Sair menos fez com que ele economizasse mais. Logo viu que o dinheiro que juntara durante esse tempo de trabalho já dava para comprar um carro. Claro, não era um carro zero – embora as pessoas ao seu redor lhe sugerissem juntar o dinheiro para comprar zero - afinal, diziam que ele teria menos gastos com manutenção. Mas Richard estava obstinado por ter um carro. Lembrem-se que ele desejava este carro porque, além de ostentar, ele fixou a ideia que a garota dos seus sonhos gostava de homens motorizados. - Garotas como ela, dizia Richard, para serem conquistadas, o homem precisa conquistar primeiro seu possante.

Certo dia quando alguém lhe pediu paciência para comprar um carro zero, soltou sua ignorância dizendo: “Comprar carro zero? Eu não sou rico! Pobre não tem condições de comprar carro zero. É o que eu posso, e pronto.” Bom, ele dizia ser pobre por não poder comprar um carro zero, enquanto outros morrem porque no prato tem zero.. Zero comida, zero água pra beber... Enfim, Richard não costumava pensar muito nessas coisas. Lhe dava agonia, pena, mas como não podia matar a fome dos africanos que vivem na miséria, matava sua vontade de ter suas coisas. E ele que se dizia pobre, não podia comprar carro zero; era o mesmo que, por outro lado, não queria qualquer carro. Indicavam uns mais velhos: ano 1980? - Você está me zoando! - Dizia Richard. Ok. Ano 2000, 2001... 2003? Não!? Já tinha a cor, modelo e ano ideal.

Numa bela manhã de sexta-feira vai nosso garoto rumo ao grande feirão de carros novos e semi-novos. Hoje ele saiu determinado a comprar seu possante. Disse consigo mesmo: hoje eu volto pra casa de carro! Mas um fato curioso mudou seu destino.

No caminho ele passa por um restaurante que tinha a fama de ser de gente rica. Ele passa lá com nariz empinado, cara fechada, desejava frequentar tais lugares, mas não tinha dinheiro. E pra frequentar lá, digamos que teria que ter muito dinheiro. Ele passa meio desejoso, meio entregue também à inveja. É que quando se torna uma pessoa que tem coisas, tudo causa desejo de possuir. Nunca se está satisfeito. Mas então um garçom interrompe as passadas de Richard e fala:

G – Meu rapaz! Um minuto...
R – Pois não?
G - O sr daquela mesa pediu-lhe para falar com você. Entre, por favor.
R – Quem é este homem? Eu não o conheço. O que ele quer comigo?
G – É um antigo cliente. Não sei o que quer contigo. Apenas disse para te chamar.

Neste momento o Garçom olha para o sr sentado à mesa, e ele confirma com a cabeça, olha para Richard, e com a mão direita faz um sinal de “venha cá”.

Richard foi confuso, porém, não tinha nada a perder, e ainda ia entrar no restaurante chique.

O que o senhor deseja?”, disse Richard, meio apavorado, a voz meio embargada. E ouviu daquele misterioso homem um forte: SENTE-SE!

Tudo bem, pensou Richard. Sentou-se. E ouviu daquele homem “Me chamo Artur. Sou um multimilionário e você me chamou bastante atenção.” Richard ficou mais admirado e confuso. Por que um multimilionário iria ficar impressionado com ele?

R – Hum, mas por quê?
A – Você me lembra muito meu filho! - E faz uma cara de tristeza misturada com rancor, raiva.
R – Sério? O que houve com ele? Ele... - embarga a voz – morreu?
A – Para mim sim! Aquele miserável! Ingrato! - Disse o ricasso de maneira irada.
R – E o que eu tenho com isso, meu senhor?
A – Nada. Esquece! Diga-me: O que você quer da vida?
R – Eu? Bom, eu quero ser rico, ter minhas coisas... (Artur o enterrompe)
A – Óh! Que coisa boa! Pelo menos nisso você não se parece com meu filho. Aquele moleque! - Respira fundo – E você, é pobre? Faz o quê da vida?
R – Sim. Bom, eu trabalho... dá para ir vivendo. Aliás, depois de passar um tempo juntando dinheiro, estou indo ali comprar um carro. Me sugere algo? Estou nervoso, meu primeiro carro, o sr sabe como é, neh?
A – Sim, carro sempre deixa a gente embaraçado. Sempre fico confuso quando tenho que sair e não sei qual dos meus seis carros uso. Ai, que tédio.
R – Seis carros? Pra quê tudo isso?
A – Ah, moleque! Não fique perguntando essas coisas.
R – Um dia quero ter também tantos carros. Mas – pergunta Richard – com tantos carros, porque essa cara de tristeza?
A – Como disse, para mim meu filho morreu! Eu contruí um império. Sou dono de uma poderosa corretora. Muita grana rola solta. Mas ele, que criei para ser meu sucessor, não tem gana, não tem vontade de seguir minha carreira. Tudo, tudo que construí... De que serve? Ele me diz que dinheiro não traz felicidade, que quer viver uma vida simples, e que sua vocação é outra... Aaah, vocação! Foi-se até embora de casa. Vive numa casa simples, trabalha em emprego simples, enquanto poderia ter todo poder da minha empresa. Mas não, ele desprezou tudo.
R – É, meu senhor, seu filho é meio bobo... Eu querendo ser rico, e ele.. pobre?
A – Nem fala isso! Mas, mas.. Que bom que queres ser rico. Eu posso te fazer rico, caso queira!
R – Pode?
A – Se aquele bastardo não quis meu império, deserdo ele e ajudo a outrem. É bom ver que em você há o desejo do dinheiro.
R – O que tenho que fazer?
A – Trabalhar comigo na minha empresa. Poderá ser um dos meus assistentes, se tiver qualidade para isso.. Ah, você parece com meu filho... Pena que ele despresou as riquezas.

E apesar de se mostrar um "tio patinhas" durão, mando em tudo, posso tudo, escorre uma lágrima em seu olho direito. Richard fica espantado, afinal, achou que as pessoas ricas não chorassem – a não ser de alegria -, nem sofressem, nem se demostrassem tão tristes e melancólicas. Ele lembra dos discursos de sua mãe falando sobre a felicidade. Felicidade essa que tanto perturbava sua mente em suas meditações. Então atreve-se a perguntar para o poderoso empresário:

R – Você é feliz?
A – Claro que sim. Eu tenho tudo. Compro tudo que quiser.
R – Bom, só não pode comprar o amor do seu filho...
A – Amor!? Que amor!? Idiota! Que que eu lhe retire a proposta que lhe fiz?
R – Não, claro que não... Mas, você pode comprar tudo, só não pôde comprar o amor do seu filho.
A – Porque ele é um safado. Deve estar sendo influenciado pela mãe dele. Deve estar ensinando historinha de desapego...
R – Mas em todo caso... Porque não conversa com sua esposa sobre isso.
A – Que esposa?
R – A mãe do seu filho
A – Ela não é minha esposa. Separamos há muito tempo. Ela foi, na verdade, a minha primeira esposa. Aí ela começou a ficar torrando minha paciência com história de (fala imitando uma voz feminina de modo a desprezar) “passar tempo em casa com a família, trabalhar menos, dinheiro não traz felicidade, dê atenção para o seu filho”. Ai chatice. Pro meu trabalho ninguém liga! Nos separamos, pago a pensão. E, desde então, troquei de esposa cinco vezes. Meu jovem, eu sou rico. Não está mais agradando eu descarto e compro outra que me fará feliz.
R – Poxa, que história heim. E com quem está casado hoje?
A – Bom, faz cinco anos que desisti disso. Casamento dá trabalho. Então não tenho esposa. Faço de todas as mulheres minhas esposas. Basta passar o cartão de crédito, ter dinheiro, ter cheque. Me entende rapaz (e solta uma risada macabra).
R – Deve ter uma vida bem agitada, em senhor Artur?
A- Um pouco, meu garoto!
R – Mas, é feliz assim?
A – Garoto irritante! Por que volta à mesma pergunta!? (Responde zangado).
R – Porque desejo ser feliz.
A – É claro que sou feliz.
R – De verdade?
A - Claro!
R – 100% feliz?
A – Sim. Claro, para ser sincero, garoto irritante, eu não sou 100% feliz. Mas, eu tenho dinheiro. Meu dinheiro compra a felicidade. Estou triste, compro Wisky, vinho 20 anos... Fumo meus charutos. É verdade que muitas vezes continuo sem ser preenchido. Existe um troço dentro que não é saciado. Meu filho, aquele bastardo estúpido, diz que preciso de Deus, mas, como não acredito nEle, eu tomo mais Wisky ou vou procurar minha mulher...
R - Mulher!? - exclama Richard – o senhor não disse não ter mulher?
A – Sim, moleque, deixe-me concluir! A minha mulher da semana.
R – Ah, sim, entendi. E é feliz assim?
A- Claro, quando enjoo, troco por outra. E assim vai indo. Tenho dinheiro, posso o que quiser.

Para qualquer pessoa normal isso seria um sinal de que ele não deveria se apegar tanto aos bens materiais. Não para Richard, pois ele se admirou.

O ricasso pega seu cartão, entrega para Richard, e fala: “entre em contato comigo, rapaz, se quiser dar um passo em sua vida. Estou disposto a te ajudar.” Richard pega, olha admirado quase não acreditando na sorte que acabara de tirar.

A – Meu jovem, como se chama mesmo?
R – Richard.
A- Então, Richard, vaza daqui agora que minha felicidade acaba de chegar.

Falou isso, pois esperava sua “mulher da semana”. Embora o velho mentisse, às vezes era mulher de um dia apenas. Como Richard fez, o ricasso também fazia: as mulheres eram apenas objetos compráveis. Richard ao ver a bela mulher que entrara no restaurante para fazer companhia ao velho Artur, teve a certeza em seu coração, que ter dinheiro, carro, seriam o caminho para ter a mulher dos seus sonhos.

Richard sai de lá animado, confuso, é verdade, por ver alguém falar de felicidade quando precisava ser dopado e comprar as pessoas. Mas segue.

No caminho rumo ao feirão dos carros – lembrem-se! Richard estava indo comprar seu carro -, ele é abordado por uma senhora pobre, simples, suja.

S – Bom dia meu jovem, tudo bem com você? Que Deus lhe abençoe! (Disse com um sorriso triunfante, belo, irradiante, tal qual nunca vira antes).
R – Bo.. Bom, dia...
S – Eu me chamo Efigênia, tenho 75 anos. Meu filho não teria uma esmolinha para me dar? Meus netos e eu moravos numa favela, num barraco de madeira, passamos muita necessidade. Se quiser pode ir ver...
R – Eu, eu não tenho como ajudar... (Ele tinha o dinheiro pra entrada no carro, mas o carro era mais importante do que ajudar uma esmolera).
S – tudo bem, meu filho. Sabe, posso te contar algo?
R – Sim – disse Richard querendo dizer não, pois tinha pressa.
S – Ao ver este Tau em seu pescoço lembrei-me de S. Francisco. - Tau é um objeto que lembra uma cruz, Richard não cria, mas usava por respeito a sua mãe que lhe deu.
E a senhora prosseguiu:
S – Ai, como seria bom se no mundo tivessem mais Franciscos de Assis. Eu quero ser uma. Abraço minha pobreza. Também caso com minha pobreza. Peço pra ir sobrevivendo. Eu sou feliz. Sabe, meu filho? Que bom te ver. Você é um sinal do amor de Deus por mim, ao aparecer diante de mim com este Tau que fez lembrar de Cristo. Hoje mesma pensava na minha situação: estou com meus filhos desempregados, meus netos passando necessidade. Estou doente, filho, uns caroços na perna. O médico disse que terei que amputar. Mas, sou feliz. Há uma felicidade profunda que invade a minha alma que não sei explicar de onde vem. Ah, vem de Deus. Você também sente, não é mesmo?
R- É, é claro... - Disse Richard com voz embargada, mas com o coração dizendo: não, sua maluca. Sai daqui!
S – Se eu tivesse todo dinheiro do mundo, não seria feliz como sou.
R – Certeza?
S – Absoluta, meu filho. Você não tem condições de me dar esmola. Eu te entendo. E que Deus te dê condições de vida. Que ele te abençoe, abençoe teus negócios. Mas saiba que melhor do que as esmolas, foi te ver com este tau.

Richard, envergonhado por não ter dado esmola àquela senhora, pega seu tau – que ele nem acreditava – e entrega como presente a senhora. Aquela senhora exulta de alegria. Reza por Richard, pede intercessão à Mãe de Deus, aos santos, a São Francisco... Richard sem crer, ouve, confuso.


Ela sai quase que em êxtase de felicidade. Isso causa confusão em Richard: como um homem tem dinheiro, tem tudo o que quer, só transmite tristeza, raiva, ódio; enquanto essa senhora, nem da saúde do corpo goza, mas transmitiu o mais belo sorriso que já pude ver na minha vida? Preciso conversar com o Artur depois, ele tem carro, dinheiro, mulheres, e não soube transmitir essa felicidade que diz ter; da mesma forma que esta velhinha transmitiu ao ganhar um Tau enferrujado.

                                             Continua no próximo episódio. Clique aqui e leia.