quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Bem-vindo a ruína | O homem que tinha coisas #7


Após estes eventos pra lá de badalados, Richard tenta esquecer tudo. Vai levando a vida entre fingir boas relações na família e a curtição. Para tentar esquecer mais rápido o drástico episódio que lhe causara impressão até agora, ele vai passando a semana ingerindo mais álcool que o costume. E ele faz isso porque, apesar de ter o que queria, de usar e descartar a vontade, ele não se sente feliz. Ele quer mais.

Lembra-se dos pequenos momentos de prazer que tem. Seu ídolo é o Dr Artur, que é quase um pai para si agora, e tenta imitá-lo. Como ele conheceu aquele velho impuro? Num restaurante, esperando sua “mulher da semana” - ou do dia – após lhe faz tal anúncio. Decide-se, então, por uma vida dissoluta, semelhante a de seu mestre.

Por uma ânsia de felicidade, por um lado, e de busca da tal sonhada felicidade, por outro, Richard começa a frequentar casa de jogos. Ele não era tão bom jogador como era um bom vendedor nos tempos de outrora. Perdeu muito dinheiro. Ele fez a festa, mas a dos companheiros que ganharam um dinheiro fácil. Ria-se, ria de si... Mas ele queria recuperar o dinheiro. Joga daqui, bebe dali.

Assim viveu Richard durante vários dias. Sua relação com Mônica já começa a se abalar. Torna-se agressivo, trata mal. Mas agora é um mal estranho, antes era só a frieza. Agora chega bêbado, irado... Será que Mônica suspeita do abismo que seu marido adentrara? Pobre mulher que, a exemplo de Dona Clara, mãe de Richard, limpava-o e cuidava dele, embora recebesse agressões.

Em uma dessas saídas de Richard para a casa de jogos, chama-lhe atenção outra jovem. Ela chamava-se Hilary e era garota de programa. Na verdade ali também funcionava uma casa de prostituição. Ele bem sabia porque já frequentara. Mas eram de luxo. Alguns chamam de acompanhantes. Muitas mulheres se submetem a essa prostituição para homens ricos.

Lá vai Richard com sua mulher, não da semana, mas daquela noite. Mas algo lhe chama a atenção naquela mulher: uma tatuagem de punho fechado com os dizeres “as mulheres têm poder!” Richard logo lhe pergunta:

R -Quais são teus superpoderes?
H – O que disse?
R – Sua tatuagem... “As mulheres têm poder” - (e ria).
H – Homens! Sim, tenho poder. E o meu poder é ser mulher. As mulheres podem tudo!
R – Hum, deixe-me adivinhar... És feminista?
H – E há dúvidas? Algo contra?
R – Não, imagina! Eu amo o feminismo! - (Ri altamente de maneira debochada)
H – Nós não precisamos de homens “feministas”. Sabemos nos defender sozinhas.
R – E quem disse que quero aqui defender vossas pautas, senhorita feminista? Apenas amo vocês porque no dia a dia eu e meus camaradas nos beneficiamos delas. (Ri mais ainda)
H – Você está louco! Só pode. Nós queremos a independência do machismo, dessa sociedade patriarcal que oprime as mulheres. Nós vos odiamos.
R – (Após rir muito) Louca está você. Vamos, que benefício te trouxeram o feminismo? O que agora você pode senhorita “tudo posso”? (fala de maneira debochada)
H – Antes eramos um objeto do homem, da família patriarcal. Agora somos independentes. Meu corpo, minhas regras.
R – Não, seu corpo, minha mercadoria. É quanto o programa mesmo? (Ri muito)
H – Idiota!
R – Idiota é você, cara senhora, você se gaba de estar liberta da família, de um lar, de não ter um marido que a sustente. Gaba-se da legalização da prostituição? Que maravilha! E quem ganha com isso? Teu pai? Não, eu, que agora posso abusar de você. Aliás, o dono dessa casa de jogos também, afinal, pra ser uma das garotas de luxo daqui há uma pequena porcentagem, não? Conte-me como é o grito de orgulho de sair do lar com um marido para se tornar objeto sexual de qualquer estúpido, bêbado, fedido, mas com muito dinheiro?
H – As coisas não são bem assim... (responde deprimente)
R – Aé? e como são?
H – Nós conquistamos direitos. O aborto, por exemplo..
R – Ah, sim, o aborto! Adoro! Semana passada mesmo fiz minha antiga amante abortar o filho. Obrigado por lutarem pelo direito de homens, como eu, poderem vos usar e após engravidar não nos preocuparmos em assumir. Nossa! Vocês não sabem como nos ajudam nos livrando de criar um filho ou ter que pagar pensão. Ainda mais no meu caso que sou casado, poderia arruinar minha família e manchar meu nome nos negócios. Obrigado! Aliás, vamos, legalizem de vez, fiz em uma clínica clandestina. Legalizem para ficar mais fácil de homens como nós, que algumas chamam de canalhas, termos vocês mais ainda só como objetos sexuais. Aliás, objetos de descarte.
H – Como você pode falar assim de uma maneira tão fria?
R – Como vocês puderam lutar por nossos direitos de safadeza? Ah, obrigado. (silencia) Bom, no mais, você dizendo que sou frio... A mãe de Carina, minha antiga amante, também disse que sou frio. (Diz reflexivo)
H – E posso saber porquê?
R – Talvez... Acredito que seja porque não dei importância quando ela me ligou avisando que Carina havia tomado alguns remédios e estava a beira da morte. Acho que ela não se deu muito bem psicologicamente com o fato de ter abortado e resolveu partir também... Se é que me entende...
H – Você é um monstro!
R – Mas sou cria do vosso movimento, baby.

Richard parecisa implacável, sarcástico em seu discurso. Mesmo com essa mulher às lágrimas com suas palavras, ele não perdoa:

Lutam pelo direito de trabalhar, mas tem que trabalhar mais ainda quando homens como eu não assumimos os filhos. O inimigo vosso é a sociedade patriarcal, o cristianismo, ou suas amiguinhas que vos levaram a ser nossos brinquedinhos? Tiraram você da família, e hoje alegram-se com sua profissão num bordel. Pílulas prevenindo a gravidez, como é a propaganda, abortos, que maravilha mesmo. Vocês, mulheres, realmente podem tudo, mas com esse feminismo, a única coisa que conseguiram foram se tornar em idiotas e escravas de nós, canalhas, que fazemos de vocês coisa nossa. Claro, nem todas. Falo aqui das que se embriagam com os dois cânticos do inferno: a conversa do você é livre, faça o que quiser; e o cântico dos homens como eu. Existem vários homens que são o contrário do que sou, mas acho que o cântico da canalhice prevalece por se casar perfeitamente com o cântico do feminismo.”

Ela chora muito. Mas Richard, irreconhecível, finaliza: vamos, pare de chorar! Não estou te pagando para isso! Viva o feminismo!

Hilary, chorando, pensava em seu coração: não sei se tive motivos para entrar nessa vida, mas hoje eles não faltam para sair. Verdadeiramente reconheço que hoje sou escrava. Sorte que posso mudar minha história daqui para frente. Antes eu era livre e feliz e não sabia. Quero retornar a verdadeira liberdade que ideologia nenhuma, como a feminista, é capaz de me dar.

***

E assim foi a vida de Richard, de abismo em abismo. Mulheres e mais mulheres; álcool, cocaína; jogando e perdendo. Ele queria usufruir da felicidade que o dinheiro podia lhe conceder.

Mônica já não suportava mais a estranheza do marido. Até que ele chega ao ponto de não pagar contas básicas de casa, pois mesmo ganhando muito, estava gastando mais e mais. Mônica decide segui-lo. Encontra-o com outra “mulher do dia”. Foi uma punhalada para ela.

Em casa ela lhe desmascara. Anuncia-lhe que não aceitará de maneira alguma aquela situação. Richard diz “então adeus. Vai embora!” Mas, por amor aos filhos, ela espera. Afinal, mais uma vez Richard chegou fora de si por causa das coisas que consumia.


No outro dia, porém, antes que Mônica percebesse, Richard já havia saído para o trabalho. O velho Artur ao vê-lo chama-lhe imediatamente.

A- Você tá maluco?
R – Fale baixo, por favor (coloca a mão na cabeça sinalizando sua dor de cabeça).
A – É disso que estou falando! Todos estão percebendo sua vida imoral! Olha pra você! Está causando escândalo pra empresa.
R – Olha quem fala...
A – Cale a boca! Você é um nada aqui! Cuido de você como se fosse filho. Mas eu te dei as regras aqui. Não podia dar escândalo. Você recebe muito mais do que um mero assistente. E com que cara me apresento pras pessoas com suas ausências e, pior ainda, com sua aparição embriagado!
R – Ah, deixa de conversa chata, pa-pai, vamos tomar um Wisky.

Dr Atur pega um charuto, acende, dá alguns passos em direção a Richard, e solta uma baforada em sua cara. Sai dali sem dizer nada para Richard, ressacado.

Parece estranho a conduta do velho Artur. Um homem que não apenas era tão imoral quanto Richard, mas quem iniciou-o nessa vida, agora lhe ditando regras. Mas o fato é que Richard era bem conhecido na empresa; de fato este tornara-se quase um filho seu. Era quase o próprio chefe na ausência de Artur. Porém, Richard adorava dinheiro. E muitos dos seus clientes e sócios eram pessoas honestas e que levavam a sério a questão da imagem. Deixar um libertino na frente dos negócios da empresa era o mesmo que queimar dinheiro. E Dr Artur gostava de gastar dinheiro com suas bebidas e demais futilidades, as escondidas, diferente de Richard que agora pouco ligara para o fato de Mônica ter descoberto suas traições. Após aquele aborto parece que ele abriu de vez as portas para a imoralidade.

Richard segue para seu escritório no prédio da empresa. Qual surpresa, ninguém acreditaria! Outra pessoa ocupara seu lugar. “Ei, essa sala é minha, dá licença, faxineiro!” Disse orgulhosamente. Logo aparece um segurança e diz “Não, não é mais. Esse jovem lhe substitui nas suas funções. São ordens do dr Artur.” “Não – respondeu Richard – só pode ser um engano”. O segurança logo chamou um companheiro e ameaçou “Se não sair, seremos obrigados a usar da força!” “Vocês sabem com quem estão falando!?” - Bradou Richard, furioso. Os seguranças pegaram-no a força, arrastaram, e na porta de entrada do prédio jogaram-no, qual lixo a ser levado pelo caminhão. E os seguranças falaram “...com um verme que foi e não é mais merda nenhuma. É com esse que falamos!”.

Estava na sarjeta! Como seria possível isso? Ele, depois de muito tempo, volta o olhar para o Céu, e antes que dirija alguma palavra para Deus, qual relâmpago, lembra-se de quando criança e ia a Missa com sua mãe ouvira as palavras: “derrubou dos tronos os poderosos e exaltou os humildes”. Talvez se nesse momento decidisse por um clamor de perdão, conquistaria tudo novamente para viver licitamente. Mas, não. Ele não queria ter sido despojado do trono.

Ainda lhe restava um dinheiro. Foi ao botequim, comprou uma bebida. Estava assumindo-se como alcoólatra?

Sem escrúpulos chega em casa: sujo, maltrapilho, bêbado. Era um sujeito de fazer dó. Onde fora parar o orgulho. Mônica se compadece, abraça-o, beija-o (apesar dos apesares) e questiona-o “meu amor, o que aconteceu? Não podes ficar assim, não pega bem pro seu trabalho!” “Trabalho! - responde Richard -que trabalho? Fui chutado daquela joça...” Mesmo que Mônica dissesse que ser daria um jeito, trabalhariam, se reergueriam sem a dependência do velho Artur, Richard estava num estado de depressão profunda.

Um grande homem disse certa vez que não adianta beber para afogar as mágoas, pois estas sabem nadar. Uma pena Richard não ter conhecido esse grande homem, pois poderia ter aprendido tantas coisas e não estar nessa vida. Sem sua fonte de renda que mais parecia loteria, Richard foi vendo seus carros dizerem adeus. Tinha três: um perdeu no jogo, outro vendeu pra quitar dívida da casa – feita também no jogo – e o outro foi Artur que lhe dera, e lhe tomara. A própria casa corria-se o risco de perderem, tamanhas as dívidas que se acumulara. Ele não foi um marido que administrara os dons que tinham, mas torrou tudo. Agora lhe restara a bebida. Sua presença já se tornara insuportável para sua família. Ele mesmo arrumava briga. Ele não se aguentava a si mesmo.

Um dia, muito louco, toma uma importante decisão. Antes que os filhos ou a mulher percebessem, este pega uma pequena sacola com duas ou três peças de roupa, e sai. Sai sem destino. Quem diria! Aquele menino que irritava-se por morar numa casa simples, com a mãe e os irmãos, tornou-se poderoso, mas do nada, porque não foi um bom administrador, perde tudo, até a dignidade, e vai morar nas ruas.

Eis a vida de Richard, orgulhoso e poderoso, agora vive de pedir dinheiro e alimentar o vício pelo álcool e as drogas. Tornou-se uma chaga viva perambulando pelas cidades. Longe de sua família, que o procura, mas sem sucesso.

O que resta para Richard? Será possível que terminará assim a vida dele?

Onde está o teu orgulho
aonde foi parar?
O homem que tinha coisas, nas ruas foi morar
Trocou mulher e filhos
pelas drogas e amigos libertinos
As prostitutas, as drogas,
com dinheiro, tudo isso a sua volta
Mas o que ganhou com tudo isso?

A felicidade? Não. Só o abismo!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Relações de vida ou morte | O homem que tinha coisas #6

Cinco anos se passaram desde aquela ligação para o Dr Artur, poderoso empresário do ramo imobiliário. Richard foi acolhido pelo magnata, tornando-se seu braço direito. Foi praticamente adotado. Agora ele tinha estabilidade financeira, carro, casa, e – pasme! - casou-se com uma linda jovem.

Tinha agora a vida que sempre quis ter. Bom, na verdade, tinha a vida que a maioria das pessoas quer ter. Tinha tudo sem grande esforço; e quando fazia um esforço a mais, era recompensado com um bom retorno financeiro. Ele era bem comissionado – se é que me entendem.

Mas, embora tivesse a vida dos sonhos, um vazio ainda o corroía. Seu casamento era uma grande farsa. Ao ser questionado pelos novos amigos ricos do porque se casaria, ele dizia sempre “- porque é o rumo lógico das coisas: nascer, crescer, casar com uma mulher.” Na verdade, ele não casou por amor a jovem; casou-se por conselho do velho Artur que, embora fosse divorciado e vivesse de uma maneira imoral, sabia que para o jovem Richard, sua imagem de bom pai de família o ajudariam nos negócios e até futuramente em outras carreiras, como a política. Richard então encontrou sua atual esposa, Mônica, que apaixonada pelo jovem “bom partido” casou-se sem saber que era só uma peça de um jogo no tabuleiro, era só uma consequência natural, segundo Richard, e não um ato de amor.

Muitos agem assim: está todo mundo casando, casar-me-ei também. Mônica não, casou por amor. Um amor cego, é verdade, que não deixou que ela enxergasse a furada que era. Richard, no entanto, casou-se nessa lógica: "tá todo mundo casando, fazendo sua imagem, farei o mesmo".

É, casado, com dinheiro, dois filhos apenas (eles evitam. É algo que deviam estudar: muitos pobres tem vários e vários filhos e são felizes, embora não tenham as coisas mais caras a oferecer aos filhos; já muitos ricos, evitam ter filhos, evitam gastos, tem poucos filhos, e não tem a felicidade que uma senhora nordestina ao parir o 12º filho), mas o oco permanece no coração dele.

Mônica tenta demonstrar amor ao marido, aos filhos, é, no fundo, uma boa mulher. Porém, Richard olha para ela com desprezo. Cada ato de amor, de doçura que sua mulher faça para com ele, o irrita profundamente no mais profundo de sua alma. É então que ele tem a nefasta conclusão no coração: a culpa – pensou Richard – da minha infelicidade é esta mulherzinha chata. Existem tantas, porque a escolhi? Aliás, porque me privo somente a ela?

Pensava assim porque, como agora era um homem de posses e praticamente sucessor do magnata Artur, chovia mulheres ambiciosas ao seu redor. Porém ele sabia dessa ambição e não queria trair sua mulher com tais mulheres ambiciosas.

Um belo dia, após um evento social em que fora obrigado a ir para representar a empresa, Richard avista uma bela jovem. Não me alongarei no relato, porém, o galanteador convence a jovem a sair. Como é óbvio, ele escondeu sua aliança e o fato de ser casado. Após várias saídas, começam um relacionamento.

Richard começou a seguir os passos do velho Atur, e começa a achar que agora é feliz. Porém, sabe que se a coisa vira pública, pode virar um escândalo na empresa, com os acionistas, investidores... É tudo muito oculto.

Você deve se perguntar: porque diabos ele fez isso com sua esposa? Porque casou se não amava? É, entendo seus questionamentos. Mas vocês devem entender que Richard é o homem que tinha coisas, para ele o amor é sinônimo de prazer, de felicidade, de retorno, naquele exato momento. O amor para ele era como um chiclete que só serve pra ser mascado enquanto ainda tem açúcar, após o amargor é jogado no lixo. Está cheio de pessoas assim por aí. Cuidado para não ser uma pobre Mônica sofredora. Aliás, por enquanto não sofre, pois como dizem: o que os olhos não veem, o coração não sente.

Richard passou meses traindo sua esposa com aquela jovem que encontrara num evento social que havia ido a trabalho. E certo dia essa moça, Carina, liga para Richard pedindo um encontro urgente. Richard, que estava em casa com a família fingindo ser um pai prestativo, enrola uma conversa para Mônica não desconfiar, e sai dizendo que tinha negócios a tratar.

No local marcado Richard, nervoso, fala:
R – Você está maluca, Carina? O que aconteceu pra me ligar assim?
C – O que tem te ligar seja que hora for? Estranho esse seu suspense! - Richard voltou a si e lembrou que Carina não sabia que ele era casado.
R – Perdoe-me, meu bem, o que você tem a dizer?
C – Olha, eu não sei se fico feliz, ou não... - Abre um sorriso tímido – eu estou grávida!
Richard faz uma cara de espanto, parece que estão lhe tirando as vísceras e apertando com a mão e brada:
R – É o quê? Não é possível! Não! Não! Não! Você não pode estar grávida. Você está brincando, não é? Fala!
C – Você não está feliz, amor?
R -Fe, fe – gagueja de nervoso – feliz? Por que estaria feliz?
C – Nosso fi..
R – Nosso, não, SEU!
A pobre e iludida menina parece não acreditar na reação de seu amado príncipe encantado. Na verdade eu não contei quem é Carina. É uma menina que mora na periferia, humilde, vem da mesma realidade de Richard. Ela é tão inocente que não apenas não sabia que Richard era casado, mas nem mesmo sabia que ele era o braço direito de um grande empresário. A coitada, iludida, apenas achou que encontrara o príncipe encantado, alguém decente, que casaria com ela e sustentaria. Nem mesmo desconfiava pelos lugares caros, apenas achava que seu namorado tivesse um bom emprego. E agora, se via escorraçada por um crápula que a abandona no momento em que mais precisa. Aliás, numa realidade que não fez só. Afinal, Richard não quer assumir um filho que fez. Ora, Carina é pobre, e agora teria que cuidar de um filho só.
R – Carina – Disse Richard, após um momento de silêncio -, você sempre me achou um homem misterioso, não é? Pois bem, também tenho um segredo a revelar.

A pobre menina ouvia, mas seus olhos... Seus olhos estavam inchados pois só sabia chorar.

R – A verdade é, não me leve a mal... Eu sou casado e pai de dois filhos
C – É o quê, Richard?
R – Isso mesmo, eu sou casado. E esse filho não está nos meus planos. Você quer destruir minha família e meu nome na empresa? Sou o braço direito do dono, se eu manchar a empresa com um escândalo volto pra sarjeta. É isso o que você quer?

A pressão psicológica para a pobre Carina foi grande. O que fazer agora? Richard disse: “Eu não quero esse filho. Terá que abortar!” Carina, no entanto, ainda se desmanchando em lágrimas, fala “mas você assumir! Pagar pensão...” Mas Richard já estava decidido a rejeitar o fruto de sua relação: “Não! E o escândalo quando descobrirem? E se você ao saber que tenho dinheiro me chantagear? Não. Terás que abortar...” A menina, viu-se desamparada. Sem ninguém. Não contou para a família por medo da reação. E com tantas propagandas pró-aborto, ela, apesar do peso na consciência, em meio ao desespero, sede a proposta de Richard, e marcam o dia que finalizariam o fruto daquela relação de mentira. O problema é que o fruto da relação era real, e havia recebido uma sentença de morte mesmo sendo o mais inocente da relação.

Amanhece o dia, o sol nasce, e com ela a hipócrita relação de Richard com Mônica também. Beijinho de bom dia, um falso eu te amo – da parte de Richard – café da manhã com os filhos. Mas naquele dia era importante, seu nervosismo era notório. Mônica lhe questiona o motivo de estar tão nervoso, mas só obteve uma resposta de “negócios importantes para resolver hoje”. Saiu, gelado como sempre para os filhos. Exceto quando estava fechando a porta da casa para sair para suas resoluções, e vê o seu menor, olhos brilhando, com uma bola embaixo do braço. Fita-o... Mas sem coração é duro. Sempre olhou os filhos como algumas coisas que apareceram após o casamento. Gastos, tormentos. Mas como ele estava com dinheiro, dava coisas pra distraí-los e deixá-lo em paz. Foi um pai ausente, frio, estranho. Olha-o, como disse, e sai sem falar uma única palavra.

Ele havia marcado de se encontrar com Carina em frente a uma clínica de aborto clandestina. Ele saiu de casa e deixou seus filhos brincando, e estava indo até onde mataria seu outro filho, para impedi-lo de brincar, de correr, de andar, de falar, de amar de viver...

Richard, sabe-se lá o porquê, decidiu deixar o carro um pouco distante do local. Foi a pé. Colocou seu óculos escuro naquela cara fechada, terno preto, jeito destemido, imponente... Orgulhoso assassino! Sabe quando aquele cara te mete tanto medo, te transmite tanto poder e autoritarismo que você tem até medo de se aproximar? Assim estava Richard.

Mas ele não assustou um garotilho de 8 anos, sujo... Não, muito sujo mesmo! Era um garoto de rua. Estava sujo, descalço, roupa rasgada. Se aproxima de Richard, olha para o chão, mas dirige-se a ele: “Querido, querido! Mê dê uma esmola!” Richard abaixa o óculos levemente com o indicador, olha com desprezo e segue o rumo. O garoto insiste “Querido, querido, me dê uma esmola!” - e, para surpresa do orgulhoso Richard, o garoto abraça-lhe a perna com ternura e amor, como se fora um filho abraçando o pai.

Qual não foi o susto de Richard, que salta para o lado e brada “Você está maluco, moleque!? Seu trombadinha! Quer me assaltar?”

G – Não, meu senhor, apenas quero uma esmola! - disse estendendo a mãozinha direita.
R – Pra quê? Pra fumar crack? Moleque pentelho!
G – Não, meu senhor, pra viver. Dê-me uma esmolinha.. Por favor! - Tem coragem e levanta a cabeça, olhando para o rosto de Richard. Este então percebe olhos azuis bem clarinhos, mostrando um brilho de vida em meio a aparente morte daquele corpo sujo vestido com panos rasgados. Richard fica surpreso, tocado com aqueles olhos do pequeno mendigo que lhe transmite vida, felicidade, um quê de confusão em sua alma que – esquece-se por um instante – está caminhando rumo ao matadouro de crianças.
G – meu senhor, você parece com meu pai.
R – E é? Por quê?
G – Não sei, não o conheci. Pelo que dizem meu pai abandonou minha mãe. E minha mãe... - abaixa a cabeça novamente – morreu a pouco tempo. Só restou eu e meu irmão.
R – É, que vida desgraçada!
G – Não! Não blasfeme assim! Isso é uma ofensa a Deus, autor da vida. Pelo menos vivo, e quantos não podem viver. Não é mesmo? Nenhum sofrimento é maior do que o de não poder viver. Se sinto dor, há quem foi impedido de senti-la pois foi impedido de viver. Quem, papai, digo, meu senhor, tem o direito de tirar uma vida? Matar dentro ou fora da barriga? Quem? Quem?

Richard fica admirado, de repente aquele moleque sujo de olhos azuis leva um diálogo, que ele não queria ter iniciado, e leva-o para o aborto. Prática esta que estava indo fazer. Esse moleque era humano mesmo, ou um anjo, ou mesmo um diabo para o perturbar? Estava Richard confuso em meio a uma cativante criança que ativa os maiores níveis de seu remorso. Mas, como seu orgulho é grande, consegue apenas dizer “você delira”.

G – Vamos, meu senhor, dê-me uma esmola!
R – Tudo bem, se vai me deixar em paz... - Tira 10 reais, a maior esmola que dera nos últimos anos. Pra ser sincero, não vou encobri-lo, essa foi a primeira.
G – Não, meu senhor, não quero dinheiro. Quero uma esmola.
R – Que diabo! Tome aqui a esmola. Pegue o dinheiro.
G – Não estou te pedindo dinheiro, meu senhor – olha dentro dos olhos de Richard – estou te pedindo uma esmola. Estou lhe pedindo o que você tem e não quer me dar. O que você já me deu e quer tirar. (Silêncio) Dá-me uma esmola, meu senhor?
R – To, tome! (Disse com voz embargada) Tome logo (suspira).
G – Não, meu senhor, dá-me uma esmola. Dá-me o que o que você tem e não quer me dar, o que já me deu e quer tirar.

Richard sai correndo dali, confuso, tropeçando nas pessoas. Aquele menino é um enviado de Deus ou do demônio? Parece não ser humano.

Sabe-se lá como, em meio aos tropeços, ele chega, atrasado em frente a clínica abortista. Lá estava Carina, triste, depressiva, no aguardo de seu antigo amado.

C – E aí, pensei que tinha desistido. (Sorri) Desistiu? - perguntou esperançosa.
R – Sim. Digo, não. Espera... Desisti de que?
C – Do abo..
R – Sim! Cale-se! Não fale as alturas, pode haver problemas. - Richard, não tirava da sua mente aqueles olhos azuis lhe pedindo uma esmola. Mas porque aquele moleque recusou receber os 10 reais? O que Richard tinha lhe dado e queria tirar? Um grande mistério assombra-o.

Na mente de Carina a pressão psicológica não lhe tirou o peso na consciência de fazer um aborto. Ela vinha de família cristã, mas nem podia dizer que era por isso necessariamente, afinal, ela não praticara a religião, inclusive vivendo contrário as praticas da religião. Por exemplo, se tivesse vivido a castidade não teria acontecido esse emblório todo. Mas a maternidade é algo natural da mulher, a consciência pesa tanto para os crentes como para os ateus. Ela sabe que o que está fazendo é errado, mas não tem em quem se apoiar. O único sustento que tinha era o namorado que a levava para dançar, jantar, era sua felicidade; e agora a leva para uma clínica de aborto para finalizar o fruto dessa relação. Logo ele que ela tanto amava, logo ele que até juras de amor fez.

Richard, como num sopro na sua consciência toma um ar de coragem, de ser homem, ser aquele homem de outrora, e assumir sua responsabilidade. Mas logo, tomado por uma acídia que parecia o inferno inteiro a vim sobre ele, toma-o de assalto, e teme o futuro, o nome, o dinheiro que pode perder, a família que já tinha construída (Embora fosse fachada). E decide-se:

R – Você sabe o que fazer. Vamos! - Disse friamente.

Entraram na clínica, fizeram uma ficha. Carina vai pra uma sala de cirurgia, e Richard para o caixa. Assim são muitos, são homens apenas de pagar, mas não de amar. Após pagar o procedimento, ele decide-se ir até a sala onde ocorreria o assassinato de um bebê. Era uma clínica disfarçada. Tinha equipamentos de ultrassom e tudo. O médico, sarcasticamente pergunta: “querem ouvir o coração? Se quiser fala, oportunidade única!” Isso só serviu para aumentar a angústia e o choro de Carina: “Coração, doutor, já tem coração?”. O médico era o mais monstruoso e verdadeiro possível! “O coração do bebê começa a bater com 20 dias. Rapidamente já está todo formado. Mas, calma, não é uma vida, não é?” Carina sabia que era uma vida, e depois dessa informação mais peso tem. A vontade dela é sair dali correndo e cuidar do seu filho só. Mas a perna pesa. Deseja, pelo menos, acordar desse pesadelo horrível. Mas Richard, atônito, mesmo olhando o ultrassom, fecha a cara, coloca o óculos escuro e diz “faça o que tem que ser feito. E logo!” Carina olha, sem sucesso, para Richard, que despreza-a, e sem reação, e tomada sabe-se lá porque, não tem reação. Só chora compulsivamente. E, para tristeza do mundo: mais um inocente fora executado pela curetagem.

Richard e Carina saem, esta com dores. Ele tira o óculos, olha para ela e diz:
R-Até
C- Até mais.
R – Não. Até nunca. Tem um carro te esperando. Te deixará na sua casa. Finja que não existo. Finja que fui abortado com o teu filho.

E assim terminou essa infame relação: cada um para um lado, e uma criança no saco de lixo.

E Carina, que fez o aborto por pressão psicológica, agora não tinha apoio nenhum. Estava só com um vazio.

Richard volta a pé até onde deixara seu carro. Qual surpresa, ao caminhar pelas ruas, avista uma roda humana. Uma multidão em volta de algo. Algo que deixa Richard curioso. Ele se aproxima e, qual sua surpresa! Trata-se do garoto de olhos azuis caído no chão, morto, cheio de sangue ao seu redor... Membros soltos. Que horror! Os olhos azuis tornaram-se pretos tenebrosos. E na mão uma pequena placa que segurara: Papai, não negue-me a esmola de poder viver!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Um carro e a dor de cabeça | O homem que tinha coisas #5

Clique aqui para ler o episódio anterior
Richard segue aquela rua, para comprar a sua felicidade: seu primeiro carro. Embaraçado com os episódios que se sucederam, porém ansioso e eufórico pela compra do seu possante.

Prepotente talvez tenha sido, afinal, sem experiência, foi comprar o carro sozinho. Comprou o primeiro que se engraçou: um carro popular, porém, com algumas alterações, vermelho, som, e estava dentro de seu orçamento. - Com esse aqui vou fazer sucesso! - Pensou. Sem exitar fez o negócio.

Como não poucos jovens, Richard também era desses que ao ter um carro com som deseja demonstrar seu péssimo gosto musical para toda a vizinhança. Após fechar negócio, passar os documentos, nosso amigo veio até sua casa ao som do pancadão. Se não estivesse ensurdecido pelo som automotivo teria ouvido alguns dos gritos e comentários que fizeram sobre ele: - “Mas é uma anta mesmo! Parece que nunca andou de carro. Quer se amostrar” “Ô imbecil! Comprou o carro mas não alugou meus ouvidos pra me obrigar ouvir essas merdas!” Fora as caras retorcidas. Mas Richard, em seu coração, estava abafando. Ele achava que as pessoas estava o admirando. Ele se sentia um Michael Shumaker ganhando mais um prêmio de Fórmula 1, recebendo os aplausos da plateia.

Mas para a sorte de Richard – se é que podemos chamar de sorte – sempre existem outras pessoas que partilham dos mesmos maus gostos. E eis que ao rodar de bobeira pela cidade só para se amostrar, o carro vira o imã que ele esperava: atrai seu novo objeto. Tratava-se de uma jovem, atraída ou pelo carro ou pela música ruim, joga seu olhar pra Richard. Este, de óculos escuro, abaixa levemente com um sorriso sínico e pergunta:
- Quer dar uma volta?

A jovem entra e vão passeando. Richard está certo de ter mais um objeto que o fará feliz aquele dia. E que felicidade: está motorizado e bem acompanhado. Mas enquanto Richard dirigia, ambos sentem um cheiro estranho.

- Que cheiro é esse? - Ora, como vou saber, o carro é seu? Respondeu a garota. E.. o carro trava, balança... Deu pau.
- O que aconteceu? Perguntou a jovem. - Não sei. Acho que quebrou. Mas como? É novo!
-Ai! que mico heim Richard? To fora, quando tiver um carro que ande a gente passeia de novo.
- Não, volte! Deve ser algo simples. Vamos sair...
-Sai com o mecânico! E riu diante de alguns expectadores.

Richard dá uma bufada de cara vermelha de raiva. Era inacreditável! Em segundos perdeu suas duas fontes de felicidade: o carro (andando) e a mulher. Bufou mais ainda quando chegou um homem. Não, não foi um homem a lhe assediar nem mesmo um assalto, mas o homem funcionário da empresa que reboca carro. Afinal, eis mais um gasto.

No mecânico o pobre Richard parecia não acreditar. O mecânico falava as peças que deveria trocar como o técnico da seleção convocando os atletas. Quanto dinheiro. O inexperiente comprou pela lataria, mas, como diz o ditado popular, quem vê cara não vÊ coração; e no caso de Richard, não via motor, parte elétrica, não via nada do interior do carro, só a lataria e o som.

Nem precisa dizer o quanto ficou arrasado. Sem dinheiro, sem carro, sem alguém consigo. Logo pensou: - MACUMBA AAA! Só pode ser macumba dos invejosos! Como é possível isso!?

Teve que deixar o carro no mecânico alguns dias. Pagou o prejuízo com suas últimas reservas. Ao sair foi abastecer o carro e, outra bufada irada:

- É O QUÊ? 4R$ o litro da gasolina!? Vocês estão loucos?
-Desculpe, senhor, mas a culpa não é nossa. Infelizmente isso não é ficção, a presidente está destruindo com o país. Subiu tudo, a gasolina acompanhou.
-Mas que idiota! Como que eu vou manter o carro com a gasolina a este preço?

Abriu a carteira, pegou seus 20R$ que lhe sobrara (e ainda catou as moedinhas), e colocou seus míseros cinco litros de gasosa. Saiu sem som, sem amostragens, direto pra casa para garantir que a gasolina desse ao menos para isso.

Após chegar em casa, liga a TV, e o noticiário já avisava: - Atenção motorista! Lembre-se que este mês começam a chegar o IPVA dos carros com placa... - NÃÃÃÃO! - Gritou Richard ao lembrar que seu carro ainda não tinha IPVA pago. -Mais uma dívida! Inferno! Droga!

Ele pensou ter comprado a fonte de sua felicidade, mas o que comprou foi uma bomba que está destruindo-o por dentro de tanto ódio.

-Como que eu vou sair desse jeito? Como vou manter carro com a gasolina a esse preço? Como vou pagar IPVA? O que me sobrou usei pra consertar este carro que está me dando dor de cabeça. - Irado dá um chute na sua estante, que balança, e de lá cai um cartão. Ele pega e para sua admiração parece ter encontrado a solução para todos os seus problemas. Pega o telefone, disca...