Após
estes eventos pra lá de badalados, Richard tenta esquecer tudo. Vai
levando a vida entre fingir boas relações na família e a curtição.
Para tentar esquecer mais rápido o drástico episódio que lhe
causara impressão até agora, ele vai passando a semana ingerindo
mais álcool que o costume. E ele faz isso porque, apesar de ter o
que queria, de usar e descartar a vontade, ele não se sente feliz.
Ele quer mais.
Lembra-se
dos pequenos momentos de prazer que tem. Seu ídolo é o Dr Artur,
que é quase um pai para si agora, e tenta imitá-lo. Como ele
conheceu aquele velho impuro? Num restaurante, esperando sua “mulher
da semana” - ou do dia – após lhe faz tal anúncio. Decide-se,
então, por uma vida dissoluta, semelhante a de seu mestre.
Por
uma ânsia de felicidade, por um lado, e de busca da tal sonhada
felicidade, por outro, Richard começa a frequentar casa de jogos.
Ele não era tão bom jogador como era um bom vendedor nos tempos de
outrora. Perdeu muito dinheiro. Ele fez a festa, mas a dos
companheiros que ganharam um dinheiro fácil. Ria-se, ria de si...
Mas ele queria recuperar o dinheiro. Joga daqui, bebe dali.
Assim
viveu Richard durante vários dias. Sua relação com Mônica já
começa a se abalar. Torna-se agressivo, trata mal. Mas agora é um
mal estranho, antes era só a frieza. Agora chega bêbado, irado...
Será que Mônica suspeita do abismo que seu marido adentrara? Pobre
mulher que, a exemplo de Dona Clara, mãe de Richard, limpava-o e
cuidava dele, embora recebesse agressões.
Em
uma dessas saídas de Richard para a casa de jogos, chama-lhe atenção
outra jovem. Ela chamava-se Hilary e era garota de programa. Na
verdade ali também funcionava uma casa de prostituição. Ele bem
sabia porque já frequentara. Mas eram de luxo. Alguns chamam de
acompanhantes. Muitas mulheres se submetem a essa prostituição para
homens ricos.
Lá
vai Richard com sua mulher, não da semana, mas daquela noite. Mas
algo lhe chama a atenção naquela mulher: uma tatuagem de punho
fechado com os dizeres “as mulheres têm poder!” Richard logo lhe
pergunta:
R
-Quais são teus superpoderes?
H
– O que disse?
R
– Sua tatuagem... “As mulheres têm poder” - (e ria).
H
– Homens! Sim, tenho poder. E o meu poder é
ser mulher. As mulheres podem tudo!
R
–
Hum, deixe-me adivinhar... És
feminista?
H
–
E há
dúvidas? Algo contra?
R
–
Não,
imagina! Eu amo o feminismo! - (Ri altamente de maneira debochada)
H
–
Nós
não precisamos de homens “feministas”. Sabemos nos defender
sozinhas.
R
–
E quem disse que quero aqui defender vossas pautas, senhorita
feminista? Apenas amo vocês
porque no dia a dia eu e meus camaradas nos beneficiamos delas. (Ri
mais ainda)
H
–
Você
está louco! Só pode. Nós queremos a independência do machismo,
dessa sociedade patriarcal que oprime as mulheres. Nós vos odiamos.
R
–
(Após
rir muito) Louca está você. Vamos, que benefício te trouxeram o
feminismo? O que agora você pode senhorita “tudo posso”? (fala
de maneira debochada)
H
–
Antes eramos um objeto do homem, da família
patriarcal. Agora somos independentes. Meu corpo, minhas regras.
R
–
Não,
seu corpo, minha mercadoria. É quanto o programa mesmo? (Ri muito)
H
–
Idiota!
R
–
Idiota é
você, cara senhora, você se gaba de estar liberta da família, de
um lar, de não ter um marido que a sustente. Gaba-se da legalização
da prostituição? Que maravilha! E quem ganha com isso? Teu pai?
Não, eu, que agora posso abusar de você. Aliás, o dono dessa casa
de jogos também, afinal, pra ser uma das garotas de luxo daqui há
uma pequena porcentagem, não? Conte-me como é o grito de orgulho de
sair do lar com um marido para se tornar objeto sexual de qualquer
estúpido, bêbado, fedido, mas com muito dinheiro?
H
–
As coisas não
são bem assim... (responde deprimente)
R
–
Aé?
e como são?
H
–
Nós
conquistamos direitos. O aborto, por exemplo..
R
–
Ah, sim, o aborto! Adoro! Semana passada mesmo fiz minha antiga
amante abortar o filho. Obrigado por lutarem pelo direito de homens,
como eu, poderem vos usar e após
engravidar não nos preocuparmos em assumir. Nossa! Vocês não sabem
como nos ajudam nos livrando de criar um filho ou ter que pagar
pensão. Ainda mais no meu caso que sou casado, poderia arruinar
minha família e manchar meu nome nos negócios. Obrigado! Aliás,
vamos, legalizem de vez, fiz em uma clínica clandestina. Legalizem
para ficar mais fácil de homens como nós, que algumas chamam de
canalhas, termos vocês mais ainda só como objetos sexuais. Aliás,
objetos de descarte.
H
–
Como você
pode falar assim de uma maneira tão fria?
R
–
Como vocês
puderam lutar por nossos direitos de safadeza? Ah, obrigado.
(silencia) Bom, no mais, você dizendo que sou frio... A mãe de
Carina, minha antiga amante, também disse que sou frio. (Diz
reflexivo)
H
–
E posso saber porquê?
R
–
Talvez... Acredito que seja porque não
dei importância quando ela me ligou avisando que Carina havia tomado
alguns remédios e estava a beira da morte. Acho que ela não se deu
muito bem psicologicamente com o fato de ter abortado e resolveu
partir também... Se é que me entende...
H
–
Você
é um monstro!
R
–
Mas sou cria do vosso movimento, baby.
Richard
parecisa implacável, sarcástico em seu discurso. Mesmo com essa
mulher às lágrimas com suas palavras, ele não perdoa:
“Lutam
pelo direito de trabalhar, mas tem que trabalhar mais ainda quando
homens como eu não assumimos os filhos. O inimigo vosso é a
sociedade patriarcal, o cristianismo, ou suas amiguinhas que vos
levaram a ser nossos brinquedinhos? Tiraram você da família, e hoje
alegram-se com sua profissão num bordel. Pílulas prevenindo a
gravidez, como é a propaganda, abortos, que maravilha mesmo. Vocês,
mulheres, realmente podem tudo, mas com esse feminismo, a única
coisa que conseguiram foram se tornar em idiotas e escravas de nós,
canalhas, que fazemos de vocês coisa nossa. Claro, nem todas. Falo
aqui das que se embriagam com os dois cânticos do inferno: a
conversa do você é livre, faça o que quiser; e o cântico dos
homens como eu. Existem vários homens que são o contrário do que
sou, mas acho que o cântico da canalhice prevalece por se casar
perfeitamente com o cântico do feminismo.”
Ela
chora muito. Mas Richard, irreconhecível, finaliza: vamos, pare de
chorar! Não estou te pagando para isso! Viva o feminismo!
Hilary,
chorando, pensava em seu coração: não sei se tive motivos para
entrar nessa vida, mas hoje eles não faltam para sair.
Verdadeiramente reconheço que hoje sou escrava. Sorte que posso
mudar minha história daqui para frente. Antes eu era livre e feliz e
não sabia. Quero retornar a verdadeira liberdade que ideologia
nenhuma, como a feminista, é capaz de me dar.
***
E
assim foi a vida de Richard, de abismo em abismo. Mulheres e mais
mulheres; álcool, cocaína; jogando e perdendo. Ele queria usufruir
da felicidade que o dinheiro podia lhe conceder.
Mônica
já não suportava mais a estranheza do marido. Até que ele chega ao
ponto de não pagar contas básicas de casa, pois mesmo ganhando
muito, estava gastando mais e mais. Mônica decide segui-lo.
Encontra-o com outra “mulher do dia”. Foi uma punhalada para ela.
Em
casa ela lhe desmascara. Anuncia-lhe que não aceitará de maneira
alguma aquela situação. Richard diz “então adeus. Vai embora!”
Mas, por amor aos filhos, ela espera. Afinal, mais uma vez Richard
chegou fora de si por causa das coisas que consumia.
No
outro dia, porém, antes que Mônica percebesse, Richard já havia
saído para o trabalho. O velho Artur ao vê-lo chama-lhe
imediatamente.
A-
Você tá maluco?
R
– Fale baixo, por favor (coloca a mão na cabeça sinalizando sua
dor de cabeça).
A
– É disso que estou falando! Todos estão percebendo sua vida
imoral! Olha pra você! Está causando escândalo pra empresa.
R
– Olha quem fala...
A
– Cale a boca! Você é um nada aqui! Cuido de você como se fosse
filho. Mas eu te dei as regras aqui. Não podia dar escândalo. Você
recebe muito mais do que um mero assistente. E com que cara me
apresento pras pessoas com suas ausências e, pior ainda, com sua
aparição embriagado!
R
– Ah, deixa de conversa chata, pa-pai, vamos tomar um Wisky.
Dr
Atur pega um charuto, acende, dá alguns passos em direção a
Richard, e solta uma baforada em sua cara. Sai dali sem dizer nada
para Richard, ressacado.
Parece
estranho a conduta do velho Artur. Um homem que não apenas era tão
imoral quanto Richard, mas quem iniciou-o nessa vida, agora lhe
ditando regras. Mas o fato é que Richard era bem conhecido na
empresa; de fato este tornara-se quase um filho seu. Era quase o
próprio chefe na ausência de Artur. Porém, Richard adorava
dinheiro. E muitos dos seus clientes e sócios eram pessoas honestas
e que levavam a sério a questão da imagem. Deixar um libertino na
frente dos negócios da empresa era o mesmo que queimar dinheiro. E
Dr Artur gostava de gastar dinheiro com suas bebidas e demais
futilidades, as escondidas, diferente de Richard que agora pouco
ligara para o fato de Mônica ter descoberto suas traições. Após
aquele aborto parece que ele abriu de vez as portas para a
imoralidade.
Richard
segue para seu escritório no prédio da empresa. Qual surpresa,
ninguém acreditaria! Outra pessoa ocupara seu lugar. “Ei, essa
sala é minha, dá licença, faxineiro!” Disse orgulhosamente. Logo
aparece um segurança e diz “Não, não é mais. Esse jovem lhe
substitui nas suas funções. São ordens do dr Artur.” “Não –
respondeu Richard – só pode ser um engano”. O segurança logo
chamou um companheiro e ameaçou “Se não sair, seremos obrigados a
usar da força!” “Vocês sabem com quem estão falando!?” -
Bradou Richard, furioso. Os seguranças pegaram-no a força,
arrastaram, e na porta de entrada do prédio jogaram-no, qual lixo a
ser levado pelo caminhão. E os seguranças falaram “...com um
verme que foi e não é mais merda nenhuma. É com esse que
falamos!”.
Estava
na sarjeta! Como seria possível isso? Ele, depois de muito tempo,
volta o olhar para o Céu, e antes que dirija alguma palavra para
Deus, qual relâmpago, lembra-se de quando criança e ia a Missa com
sua mãe ouvira as palavras: “derrubou dos tronos os poderosos e
exaltou os humildes”. Talvez se nesse momento decidisse por um
clamor de perdão, conquistaria tudo novamente para viver
licitamente. Mas, não. Ele não queria ter sido despojado do trono.
Ainda
lhe restava um dinheiro. Foi ao botequim, comprou uma bebida. Estava
assumindo-se como alcoólatra?
Sem
escrúpulos chega em casa: sujo, maltrapilho, bêbado. Era um sujeito
de fazer dó. Onde fora parar o orgulho. Mônica se compadece,
abraça-o, beija-o (apesar dos apesares) e questiona-o “meu amor, o
que aconteceu? Não podes ficar assim, não pega bem pro seu
trabalho!” “Trabalho! - responde Richard -que trabalho? Fui
chutado daquela joça...” Mesmo que Mônica dissesse que ser daria
um jeito, trabalhariam, se reergueriam sem a dependência do velho
Artur, Richard estava num estado de depressão profunda.
Um
grande homem disse certa vez que não adianta beber para afogar as
mágoas, pois estas sabem nadar. Uma pena Richard não ter conhecido
esse grande homem, pois poderia ter aprendido tantas coisas e não
estar nessa vida. Sem sua fonte de renda que mais parecia loteria,
Richard foi vendo seus carros dizerem adeus. Tinha três: um perdeu
no jogo, outro vendeu pra quitar dívida da casa – feita também no
jogo – e o outro foi Artur que lhe dera, e lhe tomara. A própria
casa corria-se o risco de perderem, tamanhas as dívidas que se
acumulara. Ele não foi um marido que administrara os dons que
tinham, mas torrou tudo. Agora lhe restara a bebida. Sua presença já
se tornara insuportável para sua família. Ele mesmo arrumava briga.
Ele não se aguentava a si mesmo.
Um
dia, muito louco, toma uma importante decisão. Antes que os filhos
ou a mulher percebessem, este pega uma pequena sacola com duas ou
três peças de roupa, e sai. Sai sem destino. Quem diria! Aquele
menino que irritava-se por morar numa casa simples, com a mãe e os
irmãos, tornou-se poderoso, mas do nada, porque não foi um bom
administrador, perde tudo, até a dignidade, e vai morar nas ruas.
Eis
a vida de Richard, orgulhoso e poderoso, agora vive de pedir dinheiro
e alimentar o vício pelo álcool e as drogas. Tornou-se uma chaga
viva perambulando pelas cidades. Longe de sua família, que o
procura, mas sem sucesso.
O
que resta para Richard? Será possível que terminará assim a vida
dele?
Onde
está o teu orgulho
aonde
foi parar?
O
homem que tinha coisas, nas ruas foi morar
Trocou
mulher e filhos
pelas
drogas e amigos libertinos
As
prostitutas, as drogas,
com
dinheiro, tudo isso a sua volta
Mas
o que ganhou com tudo isso?
A
felicidade? Não. Só o abismo!