sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Bailando na vida | O homem que tinha coisas #3

Assim segue a vida de Richard, o homem que tinha coisas: trabalhando, ganhando dinheiro, juntando coisas.

E um obstáculo que, segundo o que ele achava, o impedia de conquistar mais coisas, está sendo retirado: chega o fim da escola. Enfim está livre. E ele está feliz por isso. Sim, muito feliz. Agora ele poderá ter mais tempo pra ganhar dinheiro e, aquilo que para ele mais importa, poderá se aproximar da garota de seus sonhos no baile de formatura.

Chegado o dia do baile, ele se dispôs a fazer daquele dia O DIA da sua vida. Eis que se prepara com o melhor de suas roupas descoladas, gel no cabelo, perfume exageradamente exalando a distância (o famoso “banho de perfume”), e sai para o baile. Ele queria causar. Sim, ele tinha que fazer isso – segundo o que ele entendia – afinal, sabia que possivelmente a garota de seus sonhos estaria acompanhada daquele rapaz que ele havia visto juntos.

Chegando ao local do baile, Richard logo é recebido pelos amigos com frases como “hum, até parece gente!”; “Eita lindão...!”; “Que marmota é essa que tu fez?” Afinal, amigos de escola só fazem isso. Ele apenas sorriu, meio zangado, e falou – vocês são um bando de invejosos, isso sim!

Mas eis que ali está a bela garota dos sonhos de Richard. Sentada com as amigas ao redor de uma mesa. Mas além das amigas está um rapaz. Richard se anima, afinal, é outro rapaz. Após um desligamento repetindo dela, Richard ataca e...
R - Oi...
G – E ai, Richard, como você está?
R - Estou bem, e você?
G - Também..
R - Então, a gente conversou naquele dia... Te vi aí... Queria te convidar pa... (é interrompido pela garota)
G – Sem querer te magoar, mas não vai dar. Estou acompanhada com meu namorado.
R – Namorado? Você não disse que não estava a fim de namoro, que ia se dedicar aos estudos?
G – Sim, mas aí apareceu ele...
R – Quando?
G – Há duas semanas!
Richard faz uma cara de decepcionado com aquela situação. Sentindo-se um lixo por ser rejeitado. Mas a garota de seus sonhos – que fizera do seu baile um pesadelo – conclui:
G – Leva a mal não, mas não vai rolar...

Richard contém as lágrimas, afinal, sabe que chorar naquele momento pode ser prejudicial para sua honra. Não, não é que homem não chore, ele só não queria demonstrar sentimento por quem o desprezou. Mas antes ele tivesse chorado como uma criança, pois o homem que tinha coisas, tomou uma decisão naquele baile. E pensava consigo mesmo:

- O que este cara tem que eu não tenho? Se ela não me quer, tem quem queira. - E começa a passar o olhar pelo salão buscando suas presas. É porque o homem que tinha coisas achava que podia conseguir o que quisesse, pois tinha, pois podia... Embora com a garota de seus sonhos tenha dado errado.

Ele logo vê a Chiara sentada numa mesa. Ele a olha com desprezo. Na verdade o seu desprezo é um temor. Você deve estar se perguntando por que ele não se interessa pela Chiara, seria ela feia? Não, não... Chiara é que chama por aí de mulher virtuosa. Bom, no caso uma garota virtuosa. Bela, meiga, não fala palavras baixas, educada, estudiosa; é do tipo de garota que mostra o coração e não o corpo. Isso causa tremor em Richard, pois a garota dos seus sonhos era totalmente o contrário, e o corpo foi o que lhe atraiu (e ironicamente seu coração o que lhe repeliu).

Quando se é uma pessoa que tem coisas, que deseja coisas, você atrai pessoas com o mesmo propósito. Richard desprezou Chiara após ter sido desprezado pela garota de seus sonhos. E agora, como um ímã, aproximam-se garotas dele. Garotas que querem suas coisas. Mas Richard também quer coisas. E para esquecer sua desilusão, Richard faz dessas garotas, suas coisas. Foi a primeira noite em que ele começou a usar as mulheres como objetos descartáveis para seu prazer. Como coisas que se compra em supermercado, ele ficou com uma (sim, ficar, aquele termo que vocês certamente conhecem, que é dado para pessoas que beijam apaixonadamente umas as outras, sem compromisso, só pelo prazer), com outra... E começou a gostar disso. E até as mais inocentes ele se atreveu a usá-las iludindo-as. Menos Chiara, pois esta, ele conhecia e temia-a.

Depois de terminado o baile, ao lembrar-se da garota de seus sonhos, ele viu que não a amava. Mas que podia ter quantas dela quisesse, pois ele agora era o cara.

Mas após acordar, já em sua casa, obviamente, lembrando-se de tudo que acontecera, Richard cai numa ligeira depressão. Começa a pensar consigo mesmo: tá, fiquei com as meninas, mas e aí? Cadê a felicidade? Por que o vazio voltou? - Richard acaba de descobrir que usar as pessoas não é sinônimo de felicidade; no máximo pode dar um prazer momentâneo, mas o vazio de um fracasso sempre vem. Pois Richard esqueceu-se do amor. Richard agora quer coisas...

E pega sua coisa, digo, celular, e vai conversar nas redes sociais com os amigos. E os amigos dizem:
-Cara, tu é um otário mesmo. Tu assim porque foi um baile de escola... Tu tem que ver como é o frevo na boate que vou toda semana. Você está é precisando encher a cara e fazer sexo.

Richard concordou e ficou pensativo nisso. Ele acreditava mesmo que seus amigos diziam a verdade sobre a felicidade estar no sexo e na bebida. Apesar de que só os via felizes quando estavam drogados. Depois se drogavam de novo pra serem felizes... E, enfim, Richard não pensou nisso. E também não pensou no seguinte: se sexo fosse sinônimo de felicidade as pessoas mais felizes do mundo estariam nos bordeis. E ele só as via tristes, sorrisos forçados... Mas ele não estava nem aí.

Foi pra boate, tomou seu primeiro porre. Gastou muita grana. E, instigados pelos amigos, perdeu a virgindade com qualquer uma. Ele não lembra, estava bêbado. Mas os amigos contaram. E depois da noitada Richard medita: o que ganhei além de dor de cabeça? Mas agora ele tinha dinheiro, coisas, amigos (dele ou das coisas?), mulheres... Jovem e promissor.

Após outra noitada, nosso garoto, digo, homem que tinha coisas, está de ressaca, e sua mãe olha para aquela cena deprimente do filho deitado por cima do próprio vômito, já recuperando a consciência e lhe diz:
DC – Um pássaro que anda longe do seu ninho: tal é o homem que vive longe de sua terra.
R – É o que? Eu bebi e a senhora que ficou bêbada (ri levemente). Ora, eu nasci e cresci nessas terras.
DC – Falo da terra do teu coração. Da tua essência. Você tem que encontrar a felicidade na sua essência, não voando por aí. Serás sempre inquieto se não encontrar e felicidade dentro.
R – É...
DC – Filho, você é feliz?
R – Claro!
DC – Cadê seu sorriso que nunca mais vi? (fala mostrando-lhe um retrato antigo quando seu filho ainda não era um homem de coisas; onde sorria belamente – e mostra-lhe caindo-lhe uma lágrima)
R – Está aqui, ma-mãe... - Sorri forçosamente e pega no celular e mostra pra mãe dizendo: - Olha aqui como sou feliz?
Dona Clara chora, ao ver o filho sem camisa, claramente embriagado, abraçado por um amigo, algumas garotas, olhos vermelhos, alguma coisa branca no nariz... E o filho com um sorriso... Um sorriso que faz chorar, se é que me entendem. Essa era a felicidade de Richard. E ele se acostumava a chamar isso de felicidade. Um dia ele viu um rapaz dizendo que acordou – após a festa – nu em cima de uma mesa. No início ele achou estranho como alguém pudesse ser feliz assim. Mas como passou a beber também não se importa. Richard aprendeu que quando a consciência vem dizendo que isso não é felicidade, deve-se voltar a beber, a ter relações sexuais, enfim, ele engana-se a si mesmo. Mas sua pobre mãe chora... Pois a ela ele não engana. Não somente a ela, mas a todos, afinal, todos perceberam a mudança de Richard.

E prossegue o diálogo:

DC – Para aqueles que permanecem junto ao vinho, para aqueles que vão saborear o vinho misturado. Não consideres o vinho: “como ele é vermelho, como brilha no copo, como corre suavemente!” Mas, no fim, morde como uma serpente e pica como um basilisco! Os teus olhos verão coisas estranhas, teu coração pronunciará coisas incoerentes. Serás como um homem adormecido no fundo do mar, ou deitado no cimo dum mastro: “Feriram-me – dirás tu-; e não sinto dor!”. “Bateram-me.... e não sinto nada. Quando despertei eu? Quero mais ainda!”. - Assim estás vivendo, meu filho, entregue à bebida, e espero que só a bebida (chora, para... continua.) e a prostituição (Richard interrompe)
R – Que prostituição o quê!
DC – Cale a boca que eu não terminei! (Toma fôlego e prossegue) Não vês que quanto mais se entrega a essas coisas, mais dependente delas fica; encontras o prazer, mas não a felicidade. Você é meu filho, mas está se autodestruindo.
R – E desde quando sair, se divertir, namorar, é errado?
DC – Você chama de diversão, felicidade, se embriagar e dormir por cima do próprio vômito? Namorar não é errado, mas, diga-me, qual o nome da sua namorada?
R – Não tenho.
DC – Então você sabe, que o errado não é namorar, mas usar as pessoas como coisas. E você está fazendo isso. Usando dessas moças...
R – Essas das festas não prestam
(Dona Clara após lhe dar um tapa eu seu rosto): - Presta menos ainda você, seu safado, que está usando-as. Eu não me sacrifiquei a vida toda para agora ter um filho cafajeste!
(Silêncio agoniante...)

R – Eu sou jovem...
DC – No meu tempo os jovens amavam, e não usavam uns aos outros. Que Deus e Nossa Senhora tenham piedade de ti...
R – Só queria que você me entendesse. Eu quero ser feliz.
DC – Eu também fui jovem, eu também quis ser feliz. (Suspira) Mas tarde amei a beleza tão antiga, e tão nova. Eis que estava dentro, e eu fora. Você precisa aprender isso. Ou servirá apenas para as estatísticas.
R – que estatística?
DC – De gente que não é feliz. E essa parece ser a maior parcela. Sabe? Gente que busca coisas e não o amor.
R – fala umas coisas estranhas às vezes.
DC – Filho, lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que venham os maus dias e que apareçam os anos dos quais dirás: “Não sinto prazer neles!”. Antes que escureçam o sol, a luz, a lua e as estrelas, e que à chuva sucedam as nuvens. Enquanto é tempo, saia da vida dissoluta, pois onde passa um boi passa uma boiada; busque a felicidade plena, e não a artificial que só te destrói. Enquanto é tempo, filho. Que Jesus Misericordioso vos ajude.

Richard ficou em silêncio por respeito (bom, ainda lhe restara respeito por sua mãe). Mas, apesar de se sentir mexido, interiormente ele achava que sua mãe era apenas uma moralista religiosa “defensora” dos bons costumes. Sua mãe, que ele julgava ser antiquada, havia lhe preparado um belo e reforçado café da manhã. Mãe normalmente é assim, por mais que o filho não preste e dê motivos pra ela se afastar, ela prefere misturar as lágrimas ao café do que abandonar o filho.

Richard, embora, como disse, ache a mãe uma moralista religiosa, acaba refletindo: É, no fundo ela tem razão. Eu tenho coisas, mas não tenho amor. Só ela me ama. Mas...

É, esse “mas”... Mas o que Richard irá fazer? As palavras de sua mãe surtirão efeito? Ou continuará desejando as coisas?

Felicidade onde estás?
Felicidade quero te encontrar
Quero ser amado, quero amar
Quero preencher o vazio interior
Felicidade!? Felicidade!?
Não me abandone, por favor!

Não te abandonei
Foi você que me abandonou
Estou no seu interior
Busque-me dentro e me encontrará
Saiba que o mundo não te preencherá

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