Assim
segue a vida de Richard, o homem que tinha coisas: trabalhando,
ganhando dinheiro, juntando coisas.
E
um obstáculo que, segundo o que ele achava, o impedia de conquistar
mais coisas, está sendo retirado: chega o fim da escola. Enfim está
livre. E ele está feliz por isso. Sim, muito feliz. Agora ele poderá
ter mais tempo pra ganhar dinheiro e, aquilo que para ele mais
importa, poderá se aproximar da garota de seus sonhos no baile de
formatura.
Chegado
o dia do baile, ele se dispôs a fazer daquele dia O DIA da sua vida.
Eis que se prepara com o melhor de suas roupas descoladas, gel no
cabelo, perfume exageradamente exalando a distância (o famoso “banho
de perfume”), e sai para o baile. Ele queria causar. Sim, ele tinha
que fazer isso – segundo o que ele entendia – afinal, sabia que
possivelmente a garota de seus sonhos estaria acompanhada daquele
rapaz que ele havia visto juntos.
Chegando
ao local do baile, Richard logo é recebido pelos amigos com frases
como “hum, até parece gente!”; “Eita lindão...!”; “Que
marmota é essa que tu fez?” Afinal, amigos de escola só fazem
isso. Ele apenas sorriu, meio zangado, e falou – vocês são um
bando de invejosos, isso sim!
Mas
eis que ali está a bela garota dos sonhos de Richard. Sentada com as
amigas ao redor de uma mesa. Mas além das amigas está um rapaz.
Richard se anima, afinal, é outro rapaz. Após um desligamento
repetindo dela, Richard ataca e...
R
- Oi...
G
– E ai, Richard, como você está?
R
- Estou bem, e você?
G
- Também..
R
- Então, a gente conversou naquele dia... Te vi aí... Queria te
convidar pa... (é interrompido pela garota)
G
– Sem querer te magoar, mas não vai dar. Estou acompanhada com meu
namorado.
R
– Namorado? Você não disse que não estava a fim de namoro, que
ia se dedicar aos estudos?
G
– Sim, mas aí apareceu ele...
R
– Quando?
G
– Há duas semanas!
Richard
faz uma cara de decepcionado com aquela situação. Sentindo-se um
lixo por ser rejeitado. Mas a garota de seus sonhos – que fizera do
seu baile um pesadelo – conclui:
G
– Leva a mal não, mas não vai rolar...
Richard
contém as lágrimas, afinal, sabe que chorar naquele momento pode
ser prejudicial para sua honra. Não, não é que homem não chore,
ele só não queria demonstrar sentimento por quem o desprezou. Mas
antes ele tivesse chorado como uma criança, pois o homem que tinha
coisas, tomou uma decisão naquele baile. E pensava consigo mesmo:
-
O que este cara tem que eu não tenho? Se ela não me quer, tem quem
queira. - E começa a passar o olhar pelo salão buscando suas
presas. É porque o homem que tinha coisas achava que podia conseguir
o que quisesse, pois tinha, pois podia... Embora com a garota de seus
sonhos tenha dado errado.
Ele
logo vê a Chiara sentada numa mesa. Ele a olha com desprezo. Na
verdade o seu desprezo é um temor. Você deve estar se perguntando
por que ele não se interessa pela Chiara, seria ela feia? Não,
não... Chiara é que chama por aí de mulher virtuosa. Bom, no caso
uma garota virtuosa. Bela, meiga, não fala palavras baixas, educada,
estudiosa; é do tipo de garota que mostra o coração e não o
corpo. Isso causa tremor em Richard, pois a garota dos seus sonhos
era totalmente o contrário, e o corpo foi o que lhe atraiu (e
ironicamente seu coração o que lhe repeliu).
Quando
se é uma pessoa que tem coisas, que deseja coisas, você atrai
pessoas com o mesmo propósito. Richard desprezou Chiara após ter
sido desprezado pela garota de seus sonhos. E agora, como um ímã,
aproximam-se garotas dele. Garotas que querem suas coisas. Mas
Richard também quer coisas. E para esquecer sua desilusão, Richard
faz dessas garotas, suas coisas. Foi a primeira noite em que ele
começou a usar as mulheres como objetos descartáveis para seu
prazer. Como coisas que se compra em supermercado, ele ficou
com uma (sim, ficar,
aquele termo que vocês certamente conhecem, que é dado para pessoas
que beijam apaixonadamente umas as outras, sem compromisso, só pelo
prazer), com outra... E começou a gostar disso. E até as mais
inocentes ele se atreveu a usá-las iludindo-as. Menos Chiara, pois
esta, ele conhecia e temia-a.
Depois
de terminado o baile, ao lembrar-se da garota de seus sonhos, ele viu
que não a amava. Mas que podia ter quantas dela quisesse, pois ele
agora era o
cara.
Mas
após acordar, já em sua casa, obviamente, lembrando-se de tudo que
acontecera, Richard cai numa ligeira depressão. Começa a pensar
consigo mesmo: tá,
fiquei
com as meninas, mas e aí? Cadê a felicidade? Por que o vazio
voltou? - Richard acaba de descobrir que usar as pessoas não é
sinônimo de felicidade; no máximo pode dar um prazer momentâneo,
mas o vazio de um fracasso sempre vem. Pois Richard esqueceu-se do
amor. Richard agora quer coisas...
E
pega sua coisa, digo, celular, e vai conversar nas redes sociais com
os amigos. E os amigos dizem:
-Cara,
tu é um otário mesmo. Tu
tá
assim porque foi um baile de escola... Tu
tem
que ver como é o frevo na boate que vou toda semana. Você está é
precisando encher a cara e fazer sexo.
Richard
concordou e ficou pensativo nisso. Ele acreditava mesmo que seus
amigos diziam a verdade sobre a felicidade estar no sexo e na bebida.
Apesar de que só os via felizes quando estavam drogados. Depois se
drogavam de novo pra serem felizes... E, enfim, Richard não pensou
nisso. E também não pensou no seguinte: se sexo fosse sinônimo de
felicidade as pessoas mais felizes do mundo estariam nos bordeis. E
ele só as via tristes, sorrisos forçados... Mas ele não estava nem
aí.
Foi
pra boate, tomou seu primeiro porre. Gastou muita grana. E,
instigados pelos amigos, perdeu a virgindade com qualquer uma. Ele
não lembra, estava bêbado. Mas os amigos contaram. E depois da
noitada
Richard medita: o que ganhei além de dor de cabeça? Mas agora ele
tinha dinheiro, coisas, amigos (dele ou das coisas?), mulheres...
Jovem e promissor.
Após
outra noitada, nosso garoto, digo, homem que tinha coisas, está de
ressaca, e sua mãe olha para aquela cena deprimente do filho deitado
por cima do próprio vômito, já recuperando a consciência e lhe
diz:
DC
– Um
pássaro que anda longe do seu ninho: tal é o homem que vive longe
de sua terra.
R
– É o que? Eu bebi e a senhora que ficou bêbada (ri levemente).
Ora, eu nasci e cresci nessas terras.
DC
– Falo da terra do teu coração. Da tua essência. Você tem que
encontrar a felicidade na sua essência, não voando por aí. Serás
sempre inquieto se não encontrar e felicidade dentro.
R
– É...
DC
– Filho, você é feliz?
R
– Claro!
DC
– Cadê seu sorriso que nunca mais vi? (fala mostrando-lhe um
retrato antigo quando seu filho ainda não era um homem de coisas;
onde sorria belamente – e mostra-lhe caindo-lhe uma lágrima)
R
– Está aqui, ma-mãe... - Sorri forçosamente e pega no celular e
mostra pra mãe dizendo: - Olha aqui como sou feliz?
Dona
Clara chora, ao ver o filho sem camisa, claramente embriagado,
abraçado por um amigo, algumas garotas, olhos vermelhos, alguma
coisa branca no nariz... E o filho com um sorriso... Um sorriso que
faz chorar, se é que me entendem. Essa era a felicidade de Richard.
E ele se acostumava a chamar isso de felicidade. Um dia ele viu um
rapaz dizendo que acordou – após a festa – nu em cima de uma
mesa. No início ele achou estranho como alguém pudesse ser feliz
assim. Mas como passou a beber também não se importa. Richard
aprendeu que quando a consciência vem dizendo que isso não é
felicidade, deve-se voltar a beber, a ter relações sexuais, enfim,
ele engana-se a si mesmo. Mas sua pobre mãe chora... Pois a ela ele
não engana. Não somente a ela, mas a todos, afinal, todos
perceberam a mudança de Richard.
E
prossegue o diálogo:
DC
– Para aqueles que permanecem junto ao vinho, para aqueles que vão
saborear o vinho misturado. Não consideres o vinho: “como ele é
vermelho, como brilha no copo, como corre suavemente!” Mas, no fim,
morde como uma serpente e pica como um basilisco! Os teus olhos verão
coisas estranhas, teu coração pronunciará coisas incoerentes.
Serás como um homem adormecido no fundo do mar, ou deitado no cimo
dum mastro: “Feriram-me – dirás tu-; e não sinto dor!”.
“Bateram-me.... e não sinto nada. Quando despertei eu? Quero mais
ainda!”. - Assim estás vivendo, meu filho, entregue à bebida, e
espero que só a bebida (chora, para... continua.) e a prostituição
(Richard interrompe)
R
– Que prostituição o quê!
DC
– Cale a boca que eu não terminei! (Toma fôlego e prossegue) Não
vês que quanto mais se entrega a essas coisas, mais dependente delas
fica; encontras o prazer, mas não a felicidade. Você é meu filho,
mas está se autodestruindo.
R
– E desde quando sair, se divertir, namorar, é errado?
DC
– Você chama de diversão, felicidade, se embriagar e dormir por
cima do próprio vômito? Namorar não é errado, mas, diga-me, qual
o nome da sua namorada?
R
– Não tenho.
DC
– Então você sabe, que o errado não é namorar, mas usar as
pessoas como coisas. E você está fazendo isso. Usando dessas
moças...
R
– Essas das festas não prestam
(Dona
Clara após lhe dar um tapa eu seu rosto): - Presta menos ainda você,
seu safado, que está usando-as. Eu não me sacrifiquei a vida toda
para agora ter um filho cafajeste!
(Silêncio
agoniante...)
R
– Eu sou jovem...
DC
– No meu tempo os jovens amavam, e não usavam uns aos outros. Que
Deus e Nossa Senhora tenham piedade de ti...
R
– Só queria que você me entendesse. Eu quero ser feliz.
DC
– Eu também fui jovem, eu também quis ser feliz. (Suspira) Mas
tarde amei a beleza tão antiga, e tão nova. Eis que estava dentro,
e eu fora. Você precisa aprender isso. Ou servirá apenas para as
estatísticas.
R
– que estatística?
DC
– De gente que não é feliz. E essa parece ser a maior parcela.
Sabe? Gente que busca coisas e não o amor.
R
– Cê
fala umas coisas estranhas às vezes.
DC
– Filho, lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes
que venham os maus dias e que apareçam os anos dos quais dirás:
“Não sinto prazer neles!”. Antes que escureçam o sol, a luz, a
lua e as estrelas, e que à chuva sucedam as nuvens. Enquanto é
tempo, saia da vida dissoluta, pois onde passa um boi passa uma
boiada; busque a felicidade plena, e não a artificial que só te
destrói. Enquanto é tempo, filho. Que Jesus Misericordioso vos
ajude.
Richard
ficou em silêncio por respeito (bom, ainda lhe restara respeito por
sua mãe). Mas, apesar de se sentir mexido, interiormente ele achava
que sua mãe era apenas uma moralista religiosa “defensora” dos
bons costumes. Sua mãe, que ele julgava ser antiquada, havia lhe
preparado um belo e reforçado café da manhã. Mãe normalmente é
assim, por mais que o filho não preste e dê motivos pra ela se
afastar, ela prefere misturar as lágrimas ao café do que abandonar
o filho.
Richard,
embora, como disse, ache a mãe uma moralista religiosa, acaba
refletindo: É, no fundo ela tem razão. Eu tenho coisas, mas não
tenho amor. Só ela me ama. Mas...
É,
esse “mas”... Mas o que Richard irá fazer? As palavras de sua
mãe surtirão efeito? Ou continuará desejando as coisas?
Felicidade
onde estás?
Felicidade
quero te encontrar
Quero
ser amado, quero amar
Quero
preencher o vazio interior
Felicidade!?
Felicidade!?
Não
me abandone, por favor!
Não
te abandonei
Foi
você que me abandonou
Estou
no seu interior
Busque-me
dentro e me encontrará
Saiba
que o mundo não te preencherá